terça-feira, 23 de outubro de 2007

Perplexidade Mourinhiana

Escrevo hoje aqui para concordar plenamente com este texto de Jorge Mourinha:

"Já me tinha esquecido como não gosto de ir ao cinema quando o cinema está cheio. Ele é as arrumadoras que não arrumam nada e só deixam a porta aberta para as pessoas entrarem; ele é as espanholas que falam pelos cotovelos; ele é as matronas que deixam os telemóveis ligados e os atendem a meio do filme; ele é o casal na moda que fala aos cochichos ao telemóvel; ele é os bandos de jovens intelectuais na moda que têm sempre alguma coisa a dizer sobre o filme; ele é o pessoal que chega atrasado e incomoda toda a gente."

É bem verdade que os cinemas actuais mais parecem contentores do lixo para onde se atira a malta. Parte da malta faz jus ao tratamento e fala ou atende telemóveis a meio do filme. E há também, como aponta Jorge Mourinha, os que chegam atrasados e não fazem qualquer esforço por minimizar o incómodo que causam aos outros.

Mas Mourinha esqueceu uma outra categoria: tipos de um metro e noventa que, sistematicamente, se levantam a meio do filme com notórios ruídos, fazendo muitas vezes questão de passar em frente à tela (talvez alguns espectadores apreciem a inusitada demonstração de sombras chinesas) e fecham a porta como se estivessem a sair da casa de banho. Escassos minutos depois regressam repetindo o ritual como se o público tivesse pedido bis.

Ultimamente, tenho sido vítima insistente de um tipo destes, em sessões especiais para as quais, por inerência de alguns cargos universitários que ocupo, sou convidada. Depois de a cena se ter repetido já por várias vezes, dirigi-me a uma das pessoas responsáveis pela distribuidora do filme para agradecer, como sempre faço, o convite. Aproveitei ainda para sugerir uma mais apertada selecção dos espectadores para este tipo de sessões, já que ocorriam comportamentos que considerava socialmente pouco correctos. Foi então que o responsável me explicou que aquela sessão era também destinada à imprensa em geral e não podiam controlar as pessoas que cada órgão de comunicação enviava. Aí, confesso que invadida por alguma curiosidade cuscovilheira perguntei à pessoa:

- Mas afinal quem é aquele indivíduo que se levanta sempre a meio e regressa passado três minutos?

Embora me surpreendesse um jornalista ter este tipo de atitude, lembrei-me, provavelmente com algum instintivo preconceito, que jornalismo inclui também certas práticas levadas a cabo por tablóides e televisões sensacionalistas cuja ética de trabalho não será certamente a mesma dos grandes e decanos jornalistas dos diários de referência nacionais. E eis que a pessoa me respondeu:

- Aquele é o Jorge Mourinha, crítico do Público.

Fiquei de queixo caído, mas afinal quem era eu para julgar comportamentos de terceiros? Se calhar muitas das minhas atitudes também são mal vistas por outros, porventura até este meu espaço de opinião. E eis então que leio este texto assinado pelo próprio Mourinha e descubro que, afinal, Mourinha se incomoda a si próprio. Assim sendo, dentro do mesmo espírito, deixo-vos com uma possível cura – sugerida pelo próprio Mourinha, para este tipo de incomodativa patologia social:

"Não são as teenagers inconscientes cujos telemóveis passam a vida a apitar em altos berros com mensagens recebidas durante um jantar inteiro que me incomodam mais (embora me incomodem imenso)…Digamos que um par de tabefes bem aplicados não seriam mal vistos. Ainda por cima parece que os tribunais até defendem a prática.”