segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Nuno Markl

Talvez porque esta semana nos vimos privados da sua presença nos ecrãs televisivos, com a ausência revoltante da transmissão semanal da “Operação Triunfo”, esse programa que o próprio Nuno Markl classifica como “um dos formatos de entretenimento popular mais dignos e bem feitos da televisão nacional”, senti o apelo de dedicar este texto a esse nome incontornável do entretenimento nacional.

Antes de mais há que referir que Markl não se enquadra, assumidamente, no mesmo estilo dos ilustres palradores anteriormente abordados neste blogue. Markl é o representante máximo do estilo cool e descomplexado, voz assumida de uma geração. É uma espécie de anti-intelectual-que-afinal-até-quer-ser-intelectual-mas-gosta-de-ser-cool-e-que-gostem-dele. Até porque o seu ganha-pão depende disso.

Markl, é, em boa verdade, o porta-estandarte da grunhice assumida, da geração “Curto-Circuito”. Enquanto Lopes é uma espécie de herói dos pós-modernos – também conhecidos por grunhos-que-pensam-que-são-filósofos, Alves uma encarnação dos deserdados de Bénard da Costa (ou melhor, dos que não sabem distinguir entre um Bénard da Costa e um Alves), Markl é o líder dos que fazem da grunharia uma forma de vida. Talvez o leitor ache que a crítica é dura, mas lembramos que Markl assume "Borat" como “um dos filmes da sua vida” e “uma das melhores comédias de todos os tempos”. Ficará ao seu critério...

Naturalmente, o foco deste texto não será a sua longa carreira como humorista - copiando tudo o que era tendência e cómico internacional (ultimamente já nem procura disfarçar, e o seu mais recente projecto é uma originalíssima(!) adaptação de Monty Phyton ao teatro…) ou o seu papel percurssor como Video-Blogger, através da criação dos mais ridículos “Webisódios” já vistos (só não estão nos vídeos mais vistos do youtube ao lado do desempenho de Britney Spears nos MTV awards porque são falados em português) ou ainda da sua tentativa de se tornar um verdadeiro intelectual português como argumentista de telefilmes anónimos que passaram na RTP às 2h da manhã (sim, conseguiu escrever algo mais bafientamente pretensioso que o "98 Octanas" de João Lopes). Vamos centrar-nos nas suas recorrentes análises cinéfilas. É certo, Markl abandonou a crítica cinéfila profissional, concessionando esse ramo da holding cultural familiar à irmã Ana, que, como crítica do Blitz e depois do semanário Sol, provou ter as duas linhas de currículo necessárias para escrever profissionalmente sobre cinema em Portugal: consegue, a espaços, escrever uma linha inteira com estrutura gramaticalmente correcta e manda uns bitaites anti-sistema de Hollywood. Mas Markl continuou a escrever profusamente sobre cinema, e por isso merece a nossa atenção.

Há que dizer que Markl não vê o mundo a preto e branco. Vê o mundo a preto,branco, cinzento claro e cinzento escuro. Bem esmiuçadas as coisas, no complexo sistema de análise de Markl, os filmes dividem-se em quatro categorias: os filmaços do camandro, os filmaços do caraças, os simplesmente filmaços e os outros. Da análise propriamente dita pouco mais a dizer. Transpira no entanto da prosa markliana sobre cinema muito da sua mundovisão, que se traduz num dos pilares da Grunhice como teoria política e social: é um defensor intransigente da democracia, desde que se lembrem que a sua opinião moralmente superior é a correcta. Recordemos este seu texto a desancar nos críticos que não gostaram de "Borat" apenas por má vontade ou nos seus incontáveis textos escritos sob a capa de Criswell na revista Premiere a varrer a crítica em geral ou este ou aquele crítico que não gostava dos mesmos filmes que ele (o ataque a Prado Coelho por este não ter apreciado "Amélie", um dos outros “melhores filmes de sempre” na sua óptica é disso um bom exemplo). Conclui-se que Markl está um pouco para o cinema como Gualter Baptista está para o milho trangénico.

Convidamos o leitor, se ainda não o fez a visitar o blogue do senhor e confirmar por si próprio. Para abrir o apetite aqui ficam alguns excertos:

"Fui hoje ver O Reino, e há que dizer que é um bom filme. Não é um grande filmaço, mas é uma fita de acção com as doses certas de amargura e alfinetada política para ser acima do banal "arrebimba-o-malho"."

"Achei Apocalypto um grande filmaço e não tenho outro remédio senão admitir que este é o melhor filme de Mel Gibson como realizador...Meus amigos, aquela floresta do Apocalypto entrou-me pela sala dentro, camandro….Para mim, Apocalypto faz Braveheart parecer música de elevador. Há que dizê-lo: o Mad Max está um realizador do camandro. "

"O texto, a interpretação, a escolha de planos do Kubrick, a maneira pacata com que a demência disto se desenrola, as explosões do Strangelove e o milagre final... c'um camandro, pá."

"...a segunda temporada de Entourage - Vidas em Hollywood, mais uma série do camandro, com o selo da HBO"

"Isto deve ser do caraças." (antes de ver) "QUE FILMAÇO, SENHORAS E SENHORES." (depois de ver) (sobre Paprika)

"Que grande filmaço, caraças." (sobre Close Encounters of the Third Kind)

"Abstraindo-me disto, é claro que, uma vez mais, Martin Scorsese faz o chamado trabalho do caraças: a realização, a montagem, o uso da banda sonora..."

"...um filmaço chamado Fome de Viver, romance vampiresco com David Bowie e Catherine Deneuve ao som dos Bauhaus..."

"... está no facto de considerar a entrada de O Rei Leão como um dos melhores momentos de cinema da década de 90. E não apenas do cinema de animação. Não me canso de rever isto. Todo o filme é das melhores obras de sempre da Disney, mas esta entrada, em particular, é uma obra de arte esmagadora, brilhantemente desenhada, planificada, montada, emocionante como o caraças."

"Eu andava a precisar de ver um filmaço no cinema... ... sobretudo depois de ter apanhado uma valente desilusão com o Babel... No meu caso, o filmaço que eu precisava de ver, vi-o hoje numa sessão da meia-noite estimulada com um capuccino forte. Chama-se O Terceiro Passo ou, no original, The Prestige. "

Deixamos ainda como aperitivo para um post a escrever em breve, e da autoria do inevitável Markl, um elogio a um autor (merece o epíteto pois os seus posts redefiniram a blogosfera) que será brevemente analisado aqui no Lodo. Falamos de Jorge Mourinha. Aqui fica o excerto com votos de uma boa semana:

"Nunca é demais elogiar o Mourinha, e não é só porque ele é visita habitual aqui do estaminé: para mim, ele é dos grandes críticos de cinema portugueses da actualidade, profundo conhecedor do mais diverso cinema, capaz de convencer o mais céptico a descobrir o cinema mais alternativo e sem preconceitos nenhuns que o impeçam de celebrar os méritos do bom entretenimento popular. Nesta altura de encerramento da Premiere, tenho de lhe prestar homenagem por ter segurado as rédeas Criswellianas na parte das respostas aos leitores da maneira como o fez."