“Retenhamos sumariamente os traços principais da teoria de Einstein, tal como Bergson a resume: tudo parte de uma certa ideia do movimento que leva a uma contracção dos corpos e a uma dilatação do tempo; conclui-se por uma deslocação da simultaneidade, o que é simultâneo num sistema que deixa de o ser num sistema móvel; mais ainda, em virtude da relatividade do repouso e do movimento, em virtude da relatividade do movimento mesmo acelerado, estas contracções do comprimento, estas dilatações do tempo, estas rupturas de simultaneidade, tornam-se absolutamente recíprocas.
[…]
Einstein diz que o tempo dos dois sistemas, S e S’, não é o mesmo. Mas qual é esse outro tempo? Não é nem o de Pedro em S nem o de Paulo em S’, uma vez que, por hipótese, esses dois tempos só diferem quantitativamente, e essa diferença anula-se quando se tomam alternadamente S e S’, como sistemas de referência. […] Em suma, o outro tempo é algo que não pode ser vivido nem por Pedro nem por Paulo, nem por Paulo como Pedro o imaginava. […] Assim, na hipótese da Relatividade, torna-se evidente que só é possível ter um único tempo vivível e vivido.
[…]
Em suma, aquilo de que Bergson acusa Einstein, de uma ponta à outra de Durée et simultanéité, é de ter confundido o real com o virtual (a introdução do factor simbólico, quer dizer, de uma ficção, exprime essa confusão).
[…]
O que este [Bergson] critica na Relatividade é [… que] a imagem que faço de outrem, ou que Pedro faz de Paulo, é então uma imagem que não pode ser vivida ou pensada como passível de ser vivida sem contradição (por Pedro, por Paulo, ou por Pedro tal como Paulo o imaginava). Em termos bergsonianos, não é uma imagem, é um «símbolo».”
Este excerto foi retirado do capítulo 4 da obra Le bergsonisme, de Gilles Deleuze, onde resume e, de certa forma, subscreve as teorias de Bergson sobre a relatividade. Ora bem, acontece que entre dissertar sobre cinema e sobre ciências exactas vai uma grande diferença.
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Einstein diz que o tempo dos dois sistemas, S e S’, não é o mesmo. Mas qual é esse outro tempo? Não é nem o de Pedro em S nem o de Paulo em S’, uma vez que, por hipótese, esses dois tempos só diferem quantitativamente, e essa diferença anula-se quando se tomam alternadamente S e S’, como sistemas de referência. […] Em suma, o outro tempo é algo que não pode ser vivido nem por Pedro nem por Paulo, nem por Paulo como Pedro o imaginava. […] Assim, na hipótese da Relatividade, torna-se evidente que só é possível ter um único tempo vivível e vivido.
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Em suma, aquilo de que Bergson acusa Einstein, de uma ponta à outra de Durée et simultanéité, é de ter confundido o real com o virtual (a introdução do factor simbólico, quer dizer, de uma ficção, exprime essa confusão).
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O que este [Bergson] critica na Relatividade é [… que] a imagem que faço de outrem, ou que Pedro faz de Paulo, é então uma imagem que não pode ser vivida ou pensada como passível de ser vivida sem contradição (por Pedro, por Paulo, ou por Pedro tal como Paulo o imaginava). Em termos bergsonianos, não é uma imagem, é um «símbolo».”
Este excerto foi retirado do capítulo 4 da obra Le bergsonisme, de Gilles Deleuze, onde resume e, de certa forma, subscreve as teorias de Bergson sobre a relatividade. Ora bem, acontece que entre dissertar sobre cinema e sobre ciências exactas vai uma grande diferença.
Sobre cinema e outras artes, ou até sociologia e psicologia, por mais que muitos autores gostem de inventar as teorias mais mirabolantes sobre os temas, virá sempre um grupo (que é usualmente tanto maior quantas mais forem as palavras eruditas que o autor utilize) defender a suposta profundidade que lá estará presente (onde, isso ninguém diz).
No entanto, quando se faz a mesma coisa no campo das ciências exactas saem coisas tão ridículas como este texto citado. (Ou mais ridículas, às vezes: o psicanalista Jacques Lacan, por exemplo, chega a afirmar que o número i, raíz quadrada de -1, simboliza o órgão sexual masculino erecto!) De qualquer forma, qualquer pessoa que tenha a mais superficial noção do que trata a relatividade restrita de Einstein perceberá que a confusão de conceitos que para aqui vai não tem pés nem cabeça. Aliás, mesmo para quem não tenha essa noção, a falta de exactidão e de pertinência do excerto dificilmente enganará seja quem for (ou, pelo menos, assim deveria ser).
Enfim, com a mesma seriedade com que duas crianças de três anos brincam aos pais e filhos, Bergson e Deleuze decidem brincar aos físicos. E não se pense que os exemplos são raros: a obra de Deleuze está recheada de extrapolações de conceitos físico-matemáticos, assim como as obras de muitos outros autores conceituados no campo das ciências sociais e humanas. São os grandes pensadores do século XX.